O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) afirmou que o ex-ajudante de ordens da Presidência Mauro Cid é uma "pessoa decente", tem "bom caráter" e "não vai inventar nada" na delação premiada, cujo acordo foi homologado, no último sábado, pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. O acerto da colaboração teve como ponto de partida as investigações conduzidas no inquérito das milícias digitais que tramita no Supremo.
O inquérito apura a existência de uma organização criminosa, de forte atuação digital, que se articularia em núcleos político, de produção, de publicação e de financiamento, com a finalidade de atentar contra a democracia e o Estado de Direito no país. Em entrevista ao jornal "Folha de S. Paulo", antes de ser submetido a uma nova cirurgia em São Paulo, nesta terça-feira, Bolsonaro negou qualquer vínculo com os atos golpistas de 8 de janeiro, quando bolsonaristas invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes em Brasília.
— O Cid é uma pessoa decente. É bom caráter. Ele não vai inventar nada, até porque o que ele falar, vai ter que comprovar. Há uma intenção de nos ligar ao 8 de janeiro de qualquer forma. E o Cid não tem o que falar no tocante a isso porque não existe ligação nossa com o 8 de janeiro. Eu me retraí [depois da derrota para Lula], fiquei no Palácio da Alvorada dois meses, fui poucas vezes na Presidência. Recebi poucas pessoas — disse o ex-presidente.
Na entrevista, Bolsonaro disse não ter medo que Cid o comprometa na delação. Afirmou que o ex-ajudante de ordens "não participava de nada" e "nunca estava presente nas conversas" com líderes internacionais, por exemplo. Cabia a Cid, de acordo com o ex-presidente, agendar os horários dos encontros com chefes de Estado, ministros, comandantes das Forças, entre outras autoridades. Bolsonaro afirmou ter recebido a notícia sobre a delação do ex-aliado "com tranquilidade".
— Ele foi pessoa de minha confiança ao longo dos quatro anos [de governo]. Fez um bom trabalho. E tinha aquela vontade de resolver as coisas. O telefone dele, por exemplo, eu chamava de muro das lamentações. Não só militares, mas civis que queriam chegar a mim, vinham através dele.
Questionado pelo jornal se Cid era um "personagem menor" e, portanto, "sem informações", Bolsonaro destacou que o ex-ajudante era "de confiança", tratava das suas contas bancárias e de "algumas coisas" da então primeira-dama Michelle Bolsonaro.
— Era um cara para desenrolar os meus problemas. Um supersecretário de confiança. Fala inglês, é das forças especiais, é filho de um general da minha turma [Mauro Lourena Cid]. Mas ele não participava [de decisões políticas e de governo]. Se você tirar da minha vida os presentes [que ele recebeu de autoridades estrangeiras e foram comercializados por Cid no exterior] e o 8 de janeiro, que foi depois do fim do meu mandato, não tem o que falar do meu governo, com todo o respeito — disse Bolsonaro.
Integrantes da cúpula do PL preveem que a delação premiada de Mauro Cid deve atingir diretamente não só Jair Bolsonaro, mas seus familiares, em especial, o senador Flávio Bolsonaro, como noticiou a colunista do Globo Bela Megale. Membros do partido afirmam ter recebido a informação de interlocutores de Cid de que familiares do ex-presidente teriam sido citados nos relatos feitos à Polícia Federal. O acordo, no entanto, segue em sigilo.
Durante a entrevista, Bolsonaro negou preocupação com a colaboração premiada de Mauro Cid, mas concordou com a opinião de um de seus advogados que citou um "um esgarçamento emocional" do ex-ajudante de ordens durante os quatro meses em que esteve preso.
— Ministros do Supremo foram contra as prisões da Lava Jato que obrigavam o cara [detido] a falar. E [os delatores] falavam qualquer coisa, segundo eles [magistrados do STF], né? — disse Bolsonaro. — Eu vejo da mesma forma que o advogado fala aí. Não tenho nenhuma preocupação com a minha vida particular. Falam muito das contas da Michelle. Ela está tentando pegar o extrato [de contas bancárias] na Caixa, e a Caixa não dá. Eu até perguntei a ela agora há pouco, quanto dava, em média [os gastos dela], por mês. Não chegava a R$ 3.000. É ridículo.
Conversas interceptadas pela Polícia Federal (PF) revelaram trocas de mensagens entre o tenente-coronel Mauro Cid e duas assessoras de Michelle Bolsonaro que apontam a existência de uma orientação para o pagamento em dinheiro em espécie das despesas da ex-primeira-dama.
De acordo com a transcrição dos áudios de WhatsApp que constam na intercepção obtida pelo portal UOL, Cid demonstrava preocupação de que o mecanismo fosse descoberto e interpretado como um esquema de rachadinha. Os gastos vão de despesa no cartão de amiga a conta do irmão de Michelle.
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